As interações digitais nas redes sociais nos permitem conhecer pessoas que, de outra forma, jamais cruzariam nosso caminho. Seja pela distância geográfica, pela falta de interesses em comum ou pelas diferenças de hábitos e rotinas, a tecnologia nos aproxima de maneiras surpreendentes. Graças ao algoritmo do Threads, a história inspiradora de Elisane Caldeira – a protagonista 50+ deste texto da série Vozes Femininas – encontrou seu espaço para ser contada.
Nos anos 1960 e 1970, segundo dados do IBGE, a expectativa de vida dos brasileiros girava em torno dos 55 anos. Hoje, essa expectativa aumentou em 20 anos, de acordo com o órgão. O título do filme francês “50 São os Novos 30”, dirigido e protagonizado por Valérie Lemercier em 2018, reflete uma mudança significativa na percepção da idade. Embora a afirmação “50 são os novos 30” possa ser controversa, é inegável que pessoas na faixa dos 50 anos estão mais ativas do que nunca, muitas vezes iniciando novas jornadas e explorando oportunidades.
Um novo capítulo aos 50+
A vida da mineira Elisane Caldeira ilustra bem essa mudança de expectativas. Moradora de Montes Claros, onde vive com o marido e o casal de filhos, Gabriel, de 20 anos, e Ceci, de 18, e os filhos felinos Hanna e Farley, a paixão pela escrita a acompanha desde muito jovem. Usando cadernos, blogs e dispositivos móveis como meio de expressão, Elisane conta que sempre escrevia como uma espécie de terapia. “A necessidade da escrita tornou-se lugar comum,” compartilha.
Durante muito tempo, no entanto, a insegurança impediu Elisane de compartilhar seus textos publicamente. “Por vergonha mesmo. Insegura de mim que eu era, não tinha as coragens de me fazer presente no mundo pela escrita, que fosse,” confessa. Antes tarde do que ainda mais tarde, a virada veio aos 48 anos, quando começou a publicar seus escritos nas redes sociais após iniciar a terapia.
Retorno aos estudos: uma nova rota
Com a terapia iniciada e a liberdade mental para publicar seus escritos, aos 50 anos Elisane decidiu realizar um sonho antigo: estudar psicologia. Questionada sobre por que não havia feito essa escolha no passado, ela explica: “Depois de certo tempo, a gente, como mãe, tende a priorizar os filhos, a casa, os outros. As urgências ditavam a ordem dos acontecimentos. Fui fazer a graduação em Psicologia também para me ajudar na lida com meus filhos adolescentes e suas questões.”
A escolha não poderia ter sido mais certeira. Embora ainda esteja na metade do curso, a psicologia já desempenha um papel fundamental em sua vida. “A psicologia e a escrita são meus pilares pra novas possibilidades. A psicologia me mantém conectada e pesquisando, bem como adentrando no universo da escrita científica,” destaca.
Enfrentando o câncer de mama
E se a vida parecia ter se estabilizado com a terapia, o exercício da escrita e a entrada na universidade, mais uma novidade estava prestes a se desenrolar na vida da nossa escritora, dessa vez em uma esfera mais obscura. Aos 51 anos, Elisane recebeu um diagnóstico de câncer de mama. O que, para a maioria das pessoas, poderia ser um momento de desespero e expectativas negativas, Elisane conseguiu ver a situação por um novo prisma.
Ela conta que, nesse momento desafiador, seus estudos em psicologia foram cruciais. “Ajudou absurdamente! E não ter trancado o período, me esforçando, por vezes, fisicamente, para estar presente, foi fundamental no meu processo de cura. Sentir-se capaz e necessário sempre tende a nos fazer capazes e necessários.”
O tratamento durou exatos 356 dias, incluindo sessões de quimioterapia, imunoterapia, cirurgia e radioterapia. Além do tratamento médico, Elisane buscou apoio psicoterápico e espiritual. “Tive a sorte de ter um bom acompanhamento na terapia online com um profissional da área oncológica, além de trabalhar muito a espiritualidade, ler bastante e ter uma boa rede de apoio,” destaca.
Remissão do câncer e reconhecimento literário
No final do 1º semestre de 2024, Elisane publicou em uma rede social que o tratamento contra o câncer havia terminado. Com o fim do processo de terapias médicas, era hora de voltar a atenção plena para o curso de psicologia e seus prazerosos contos, crônicas e poemas.
A escrita, aliás, trouxe um reconhecimento inesperado. Graças às suas publicações constantes de textos nas redes sociais, Elisane foi convidada a ocupar uma cadeira na Academia Feminina de Letras de Montes Claros. “Acredito que, com a publicação constante das crônicas e poemas nas redes, os autores locais passaram a conhecer minha escrita, e isso deve ter fundamentado o convite dos membros da Academia,” reflete.
Planos para o futuro
Elisane se sente mais ativa hoje do que nunca e tem planos ambiciosos para o futuro. “Quero lançar meu livro de crônicas, que há muito tem sido cobrado pelo pessoal que costuma me ler. Quero escrever um livro sobre minha trajetória com o câncer, não uma versão de sofrimento e vitimizadora, mas de humor, leveza e possibilidades, desmistificando o peso que o câncer traz consigo.”
Para aqueles que acham que aos 40 ou 50 anos é muito tarde para recomeçar, Elisane deixa um conselho inspirador: “Não acreditem nessa balela de validade/prescrição de pessoas. Somos capazes do que acreditamos ser capazes. O etarismo é uma coisa horrorosa que o Ocidente reproduz. As civilizações mais antigas possuem profundo respeito (e um olhar bem diferente) para os seus idosos. E aos 40/50 há muito caminho a seguir.”
A trajetória de Elisane Caldeira é um testemunho de resiliência e superação. Aos 50+, ela não apenas encontrou novas paixões e realizou antigos sonhos, mas também se tornou uma inspiração para muitos. Suas palavras e ações mostram que nunca é tarde para recomeçar, e que cada fase da vida traz consigo novas oportunidades para crescimento e realização.